A vida, a morte e a fitotipia…

"Prestou atenção.

'Sim, ei-la. Ora, e então? Que seja a dor'.

'E a morte? Onde está?'

Procurou seu habitual medo da morte e não o encontrou. Onde ela está? Que morte? Não havia nenhum medo, porque a morte também não existia.

Em lugar da morte, havia luz.

- Então é isto! - disse de repente em voz alta. - Que alegria!"

(Tolstói - "A Morte de Ivan Illitch", p. 76)

A morte é uma experiência radical de realidade.

 Quando ela realmente acontece, coloca o limite da realidade das coisas. Uma coisa é fantasiar a morte; outra é vivê-la. Ela mostra o quanto "a vida é espessa", como diz João Cabral de Melo Neto, porque nos coloca de frente para o que a própria vida espera que façamos com ela. Sem espaço para negociações ou adiamentos.

A gente teme tanto a morte, que vive como se nunca fosse acontecer, na maioria das vezes. Evita o "memento mori" ("Lembra-te que morrerás"). E quando ela acontece, essa frase volta com um senso prático e tão indiscutível que nos silencia e paralisa, quase sempre despreparados, porque não construímos nossa vida sobre essa premissa.

Mas, por outro lado, a natureza tem suas maneiras diárias de mostrar que vida e morte são parte de um único ciclo. 

E a fitotipia, como um processo artesanal da fotografia, é uma delicadeza profunda de viver simbolicamente essa realidade. Se pensarmos na invenção da fotografia, vamos concordar que ela foi uma maneira que nós encontramos de nos iludir quanto ao congelamento do tempo. Olhamos uma fotografia antiga para lembrar de quem fomos, do que vivemos, de quem amamos… o tempo seguiu seu rumo, embora esteja disfarçadamente congelado no papel fotográfico.

Na fitotipia, é o tempo quem manda, e não a técnica de impressão. O suporte é a própria natureza — essa que nos ensina todos os dias o ciclo de vida e morte. É como se a própria natureza dissesse para os inventores da imagem impressa fotográfica, de forma absolutamente gentil e delicada, quem realmente manda aqui. 

A imagem impressa pela presença contínua da luz, que alimenta o ciclo de vida da folha pela fotossíntese, vai exatamente desaparecer com o tempo. Até o próprio suporte vai desaparecer com o tempo.

Então, essa é uma forma de dizer que tudo acaba?

Não! Essa é uma forma de dizer exatamente o contrário; que existe um tipo de presença efêmera, mas existem muitas formas de presença. A própria experiência de sentir o toque da folha, a textura, a relação de vida e símbolo que se estabelece com a imagem a ser impressa, tudo isso é forma de presença. E fica. 

A lembrança da presença é também presença. A mesma luz que imprime é a luz que leva embora a impressão. E é também indiscutível presença. Aquela substância se vai com o tempo, mas a natureza nos prova pelos seus ciclos de luz e sombra, que a vida segue, em outro formato, em outra forma de composição. Mas segue. Lidar com o desvanecimento de uma materialidade cuidada e protegida, como é o caso da folha que imprimiu a fotografia querida, é um aprendizado profundo de sentidos e de significados sobre vida, morte, luz e sombra. 

O tempo da materialidade não é o tempo da Vida. O tempo da Humanidade não é o tempo do homem. A alteridade é a forma de compreender a presença e o tempo do outro.

Aprender por símbolos, poder falar das questões centrais que alcançam o coração e o espírito por diferentes linguagens e materialidades, é essencial para a humanidade que produz seus símbolos desde que chegou a esse planeta. 

O homem é o ser que vive no tempo, sem encontrar sua medida no tempo.

Num gesto tão delicado, uma forma de aprender a viver o tempo, a presença, a luz e a eternidade. 

Quando alguém cria, (in)forma o mundo. Dá forma e compreende.

Sigamos.




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