Sobre a fidelidade à ideia ou… a luz que mantemos acesa em nós.

Estou relendo um livro do filósofo francês, Louis Lavelle, que se chama "A Consciência de Si".

Não sei se você tem o hábito de reler livros, mas esse especialmente, já reli algumas vezes, e sempre em boa companhia, o que me ajuda muito a pensar melhor sobre suas palavras, e também a fazer novas compreensões. Sempre encontro muitas reflexões novas, a cada leitura.

Nessa semana, um trecho saltou aos meus olhos e me fez parar para pensar. Num determinado momento do livro, Lavelle fala sobre a fidelidade que temos à mesma ideia. Assim diz ele:

"Cada ideia é um foco em torno do qual se propagam ondas de luz que lhe dilatam incessantemente o horizonte. Enquanto ela não estiver esgotado sua potência de irradiação, não devemos deixá-las escapar.

Pois existe uma única ideia capaz de expressar nossa vocação intelectual; existe uma única perspectiva pela qual nossa consciência pessoal é capaz de abraçar a totalidade do mundo: fora dela, podemos imaginar o real, mas não percebê-lo. Trazemos em nós durante toda a nossa vida, por vezes sem que o saibamos, um mesmo pensamento. Ele reaparece incessantemente em nossa consciência; mas nem sempre o reconhecemos porque, no instante em que ele nos mostra uma de suas faces, oculta-nos todas as outras: só consente, por assim dizer, em descobri-las sucessivamente. Assim, nunca acabamos de recolher toda a sua luz; em vez de possui-lo, estamos sempre em busca de sua posse; ele é sempre, para nós, a um só tempo familiar e desconhecido: nunca deixa de nos proporcionar uma nova revelação." (pág. 45)

Parece radical dizer que só temos uma única ideia na vida, né? Mas trata-se, na verdade, da pergunta da alma, aquela que sustenta a nossa coluna e o vigor da nossa vida. Todos nós temos uma pergunta de alma, no nosso íntimo, que só cabe a nós intransferivelmente, descobrir as respostas. Mas não é fácil parar e pensar sobre isso, porque na maioria do tempo estamos cumprindo tarefas e deveres que parecem que não nos foram dados por nós mesmos.

A "ideia" da qual fala Lavelle me leva ao "sentido da vida" de Viktor Frankl. Ele também dizia que cada indivíduo tem o seu próprio sentido e as suas respostas únicas e intransferíveis a serem dadas à vida.

Quando nos debruçamos sobre essa ideia, quando conseguimos perceber a pergunta que pulsa na nossa alma, iniciamos um outro processo, que é a busca, a vontade de fazer sentido nas respostas que temos para dar. Muitos processos criativos nascem daí. E muitas pessoas conseguem desenvolver uma outra atenção e presença na vida quando compreendem a ideia central que os movem.

É bonito pensar na "ideia como um foco em torno do qual se propagam ondas de luz", que dilatam o nosso horizonte de consciência. Isso porque, quanto mais nos apropriamos de nós mesmos e da pessoa que somos e que buscamos ser, mais forte se torna a nossa presença.  E, mesmo que cheguem a nós outros pensamentos, outros projetos, outras ideias, outras pessoas, ou ainda que a narrativa se transforme à nossa revelia (como acontece na grande maioria das vezes), seguimos num processo de amadurecimento e de encontro com os nossos sentidos.

Nessa mesma semana em que reli esse trecho, acordei de manhãzinha, o sol ainda estava nascendo e me deparei com essa imagem, que fotografei da minha janela:

Acho que posso até ter ido um pouco longe demais na minha imaginação e no recurso simbólico da fotografia, mas vou arriscar, porque na mesma hora pensei exatamente nessa fidelidade à ideia da qual fala Lavelle, ao chamamento que permeia a alma. Quando mantemos viva a nossa luz, mesmo que mínima, mesmo que muito íntima e nossa, é a uma Luz muito maior que respondemos, a um céu que se renova todos os dias, e que todos os dias refaz suas perguntas, esperando que acendamos a nossa própria luz como uma possível resposta. A paisagem muda, os dias passam, mas a relação que se estabelece entre uma pessoa e o céu volta sempre para o mesmo ponto: e então, você segue fiel à sua própria luz? Segue fiel à ideia e ao sentido da vida?

O livro de Louis Lavelle que citei nesse post é: "A Consciência de Si", publicado pela editora É Realizações.

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