Um dia de ateliê… ou uma presença cheia de sentidos.
“Estado de ateliê". Essa é uma expressão criada pela artista plástica e educadora Stela Barbieri e é a melhor forma de nomear a maneira como uma experiência multissensorial pode nos colocar em estado de verdadeira atenção.
Veja bem! Eu disse “atenção” e não “foco".
Um ateliê é uma imersão prática, uma chamada a um estado de espírito em que o corpo todo se movimenta em direção à aprendizagem. Uma experiência, assim como defende Jorge Larrosa: algo que nos passa, que nos atravessa e que muda o curso do nosso cotidiano. O próprio Larrosa diz que muitas coisas passam pelo mundo, mas muito poucas dessas coisas, nos passam verdadeiramente; ou seja, muito poucas são realmente experiências para nós.
O ateliê é um estado de perguntas; um estado de investigação mobilizadora do corpo como um todo, que faz ficar em estado de presença total, sem que isso seja sinônimo de estar focado ou em alerta. O foco é uma outra disposição de espírito; tem muito mais a ver com as respostas já obtidas e as tarefas a serem realizadas, do que com as perguntas investigativas e com a experiência que me move ou que me passa, quando eu menos espero. Em foco, não há muito o que experimentar, é mais uma maneira de executar, e cumprir algo já decidido.
A atenção é processo, é percurso, é abertura, é sobrevoo.
Pensamos por palavras, é um fato. Mas a pergunta é: o quanto estamos realmente abertos para pesquisar palavras que definem nossas sensações e experiências, especialmente quando essas sensações estão para além do nosso repertório de linguagem? E quando isso acontece, como conseguimos recuperar a expressão que nos havia fugido e voltar a encontrar palavras que a traduzam de novo?
Estar em ateliê é uma maneira de fazer nascer palavras a partir de cruzamentos de outras formas de expressão. No meu caso, invisto nas imagens e em formas de intervenção sobre elas - o bordado, a fitotipia, a simbólica e a metáfora da luz e da sombra - para tentar chegar, a partir da própria experiência, numa ampliação do horizonte de consciência, muitas vezes embotado pelo cotidiano de palavras úteis e práticas que acabam por gerenciar nossas vidas.
Estar em estado de ateliê é estar em contemplação ativa de uma realidade que se mostra a nós o tempo todo, sem necessariamente os filtros feitos pelas nossas próprias linguagens e pelo nosso próprio vocabulário, quero dizer. E quando falo em realidade, falo de maneira ampla mesmo, como tudo o que me circunda e não apenas a circunstância em que estou mergulhada enquanto realizo uma tarefa. Tem uma realidade que não percebo, porque está além do que posso notar no imediato e no foco do momento tarefeiro.
Stela fala de “imersão na distração". Quando estamos mais distraídos, é que estamos mais abertos às outras formas de sentir a realidade. E um encontro mediado que busque exatamente essa imersão na distração é uma forma de tornar o ambiente mais tranquilo e as relações com o entorno mais potentes. Com as perguntas certas, as reflexões e os recursos adequados, vamos abrindo dentro de nós espaços para que os sentidos cruzem novas informações e estabeleçam um território mais fértil para a nossa autoria.
Toda presença verdadeira é uma forma de autoria. E o estado de ateliê é um convite para algumas horas, mas pode ser também uma forma de ser e estar no mundo. Uma permanente elaboração de si e da compreensão do que se vive, trazendo para fora não somente o que nos ensinaram pelas palavras nos nossos anos de estudo formal, mas principalmente, as coisas que podemos aprender a partir de tudo o que está vivo e presente, numa relação de permanente alteridade conosco.
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Para saber mais sobre o trabalho maravilhoso da Stela Barbieri:
Visite a página do Ateliê Binah aqui. Lá ela oferece cursos de formação para atelieristas.
Durante o mês de outubro, vamos levar alguns ateliês do Festival Sonhários para e espaço da Biblioteca do Parque Villa Lobos, dentro do evento “Outubro Rosa", do Coletivo Pink. Que tal aparecer por lá? Acompanhe a programação aqui no site do Coletivo Pink.